IV – Projeto Ibiraquera (1999-2003)

As principais linhas de atuação assumidas no período anterior foram mantidas e expandidas no plano de trabalho subsequente. A equipe continuou a priorizar a implementação do projeto-piloto de diagnóstico socioecológico participativo voltado à criação de uma Agenda 21 local na área de entorno da Lagoa de Ibiraquera (na porção centro-sul do litoral catarinense). Por outro lado, os contatos internacionais realizados neste período favoreceram uma ampliação significativa da rede de parcerias internacionais do NMD.

Na época, o debate sobre a criação de dinâmicas alternativas de desenvolvimento local e territorial tem sido processado, em grande medida, com base no conceito de desenvolvimento sustentável – disseminado por ocasião da realização da Cúpula da Terra, em 1992. Nesses debates, como já foi mencionado acima, o conceito ecodesenvolvimento, entendido como um enfoque de planejamento e gestão baseado no novo paradigma sistêmico-complexo, raramente é mencionado. Essa debilidade é recorrente, não só no ambiente acadêmico, mas também junto a grupos de ambientalistas, empresários e formuladores de políticas públicas de desenvolvimento rural e urbano.

Na trilha aberta pela constatação dos impasses gerados pela persistência dessas lacunas, foi intensificada a reflexão sobre a viabilidade de sistemas alternativos de governança territorial em várias regiões do estado de Santa Catarina, mas priorizando as intervenções no cenário específico da região litorânea. Mais concretamente, isto significou (i) a busca de articulação em rede de fóruns de Agenda 21 local, (ii) a intensificação das ações de formação e capacitação de agentes comunitários de desenvolvimento territorial sustentável e, finalmente, (iii) o estabelecimento de laços mais duradouros e efetivos de cooperação técnico-científica com o Ministério Público Federal.

Vale a pena destacar aqui como especialmente relevantes as novas linhas de cooperação abertas com docentes-pesquisadores vinculados às Cátedras de Estudos sobre ecossistemas urbanos (Laurent Lepage e Normand Brunet) e sobre Educação relativa ao meio ambiente (Lucie Sauvé e Isabel Orellana) na UQAM e ao Núcleo de pesquisas sobre ecoformação, coordenado por Gaston Pineau na Universidade de Tours, na França. Ao mesmo tempo, intensificaram-se os laços de intercâmbio que vinham sendo mantidos desde 1999 com Pierre Dansereau e Fikret Berkes, no Canadá. Vale a pena salientar ainda a organização do manual de Introdução à gestão comunitária de recursos naturais, por iniciativa de Paulo Freire Vieira, Fikret Berkes e Cristiana Simão Seixas, colocado em circulação em 2005.

Outro ponto de referência importante consistiu num diagnóstico atualizado do meio físico na área de entorno da Lagoa de Ibiraquera, voltado para a criação de um sistema de informações geográficas (SIG). A equipe trabalhou com fotos aéreas obtidas no período de 1957 a 2001, além de imagens do satélite Landsat cobrindo o período de 1996 a 2002. A plataforma de trabalho escolhida para o gerenciamento destas informações foi o Arc View (ESRI). Com relação ao estágio de inserção das informações no banco de dados foram criadas (i) a base cartográfica, (ii) o mapa de vegetação e fauna, (iii) o mapa de usos do solo e (iv) o mapa de relevo e hidrografia. A etapa seguinte consistiu na inserção de uma base de dados relativos à agrodiversidade, à pesca, à socioeconomia do turismo e ao diagnóstico do sistema de atendimento de saúde (oficial e paralelo) existente na área.

Em julho de 2003, o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) aprovou um pedido de financiamento para um novo e ambicioso projeto de manejo integrado da pesca artesanal nessa área, no âmbito de um edital intitulado Gestão Participativa do Uso de Recursos Pesqueiros nas Zonas Costeira e Marinha do Brasil. Em síntese, a intenção era complementar o trabalho de diagnóstico socioecológico participativo em curso na época, como parte da construção de um cenário de gestão compartilhada derecursos pesqueiros no âmbito das ações do Fórum da Agenda 21 local. Como já foi mencionado, este espaço passou a concentrar os esforços do NMD visando a abertura de novos horizontes integrativos para os setores da pesca artesanal, da agroecologia, do turismo de base comunitária, da saúde ecossistêmica, da educação para o ecodesenvolvimento e da gestão patrimonial da bio e da sociodiversidade (VIEIRA, 2004).